segunda-feira, agosto 28, 2006

Marcas



Ela era de um povo nômade e, sim, ao contrário do que diziam os antropólogos, ainda andavam pela cidade, tocando e dançando para tirar o sustento. Não porque fosse só o que restava, mas porque preferiam desse jeito.
O pai tocava algo com cordas, o irmão, um instrumento de percussão e cantavam. Então ela vinha e dançava. Com um vestido longo e rodado, sempre encarnado, roxo ou negro, ela vinha e girava, girava. Fazia doces movimentos de braços, passos matreiros que nunca iam para onde pareciam levar. A flexibilidade da cintura lhe dava um encanto de matar. Começara bem moça, como a mãe, e dançaria até morrer, exatamente como ela.
Outro detalhe adorável era a rosa que sempre levava no decote - e que os brancos da cidade achavam que era algo folclórico ou que fazia parte da dança. Não era. O que nem os seus sabiam é que ela levava sempre uma flor ao peito para lembrar que tinha o coração marcado, cheio de cortes abertos que jamais cicatrizaram. Um dia, um moço moreno, de fala mansa e jeito de gato deixara nele os veios abertos de uma pata de tigre. Entre os brancos matreiros que a requestavam ou entre seus homens que a cobiçava por esposa, levava consigo a rosa e se lembrava que o máximo que podia dar era um sorriso de quem sente muito...

4 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, li os textos(não pude comentar ainda) mas achei de muito bom gosto. Adoro ler seus textos. Eles me trazem um pouco da minha essência que, de uns tempos pra cá, andam sumidos. Um ser que pensa, sente, chora, sabe?
Estarei sempre por aqui, viu?
Linda...

Bruna disse...

É, ando carregando este sorriso comigo.
Amo ler o que você escreve.
Bjão

Anônimo disse...

Lindo texto. Aliás, todos muito delicados - ainda que rascantes. Trazem imagens raras, necessárias, sentimentos que esquecemos que podemos sentir. Parabéns!

Anônimo disse...

Amiga, que texto lindo.
Que sensibilidade!
É sempre um prazer ler o que vc escreve.
Um beijo!